sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Aquela noite














[Um excerto de uma história minha... Sei que está desastroso mas não tinha nada para postar...]

(...)

Chovia naquela noite. As gotas escorriam suavemente pela janela como as lágrimas pela minha face. Não costumo chorar desta maneira, apenas grito com o coração. Não sabia porque chorava. Nem sabia sequer se eram lágrimas de alegria ou de tristeza. O que é certo e sabido é que naquele momento eu não estava minimamente interessado nem na chuva nem nas lágrimas. Estava sentado à espera que ela aparecesse. Observava-a todos os dias. Todas as noites ela vinha para o seu jardim sobre o qual eu tinha vista privilegiada. Ela pintava telas, desenhava, lia, ouvia música, dançava e falava para as árvores. Não se podia considerar normal perante o padrão a que estava habituado, mas era uma das características que me atraia; aquela indiferença que tinha para com o mundo... Na verdade, não conhecia muitas. Limitava-me a cumprimentá-la quando ela também o fazia e mesmo essa simples tarefa começara a tornar-se difícil. A sua voz forte, ligeiramente baixa, mas meiga, minimizava-me e reduzia-me a pó. Sentia-me fraco mas com um coração poderoso, porém não totalmente preenchido. Frequentemente, nem lhe conseguia responder. O coração tirava-me a fala.


A sua beleza fascinava-me. O cabelo era ruivo, encaracolado, cor de fogo, e os lábios finos e delicados. Aqueles olhos verdes, escuros (por vezes castanhos amarelados, consoante a luz), grandes e misteriosos petrificavam-me. Perdia-me tão completamente naqueles olhos como uma formiga num prado. Sentia-me pequeníssimo perante eles. Tentava decifrá-los, mas duvido que o conseguisse porque sempre via calma e nunca um único sinal de raiva ou tristeza.


Esperei mais algum tempo mas ela continuou sem aparecer. O meu desejo em vê-la era tão grande que tapou a minha lógica e ignorei completamente a chuva. No jardim dela só via seis gatos dos treze que ela possui. Todos os gatos da rua devem ser dela.


Fiquei a admirar as suas pelugens molhadas e a elegância do seu andar até que ela apareceu. Aproximei a cabeça rapidamente da janela que estava terrivelmente gelada. Ela veio de gabardine vermelha. Fiquei suspreendido porque ele vestia-se sempre de preto ou de branco. No branco mostrava a sua paz perante o mundo e no preto escondia todas as suas cores como eu ocultava no papel os meus sentimentos por ela.
Sentou-se na relva, apesar de ter um banco ao lado. Já devia estar habituado a este tipo de acções da parte dela, porém, surpreendia-me sempre com as suas acções imprevisiveis. Para minha grande desilusão, fechou os olhos que eu almejava contemplar. Concentrei-me nos seus lábios perfeitos. Imaginava o dia em que eles tocassem nos meus numa noite em que a lua nos iluminasse e mostrasse uma beleza superior. Assim a costumo desenhar com palavras, abraçada a mim. A escrita leva-me a ilusões que me fazem sofrer e que ao mesmo tempo me dão força e esperança. Só queria poder ler os seus pensamentos, atravessar a sua alma e conseguir dizer-lhe o que realmente sinto. O pensamento fala por mim e não dá vez ao coração. Passo assim todos os dias… Sofro porque amo. Sofro por vê-la e não lhe poder tocar nem falar. Sofro mais quando não a posso ver porque tenho de a imaginar e com esses fantásticos pensamentos, desconcentro-me em tudo o que faço. Ou no que acabo por não fazer...


Passou algum tempo e ela entrou para dentro de casa com um ar um pouco sério. A sua meditação (ou o que quer que fosse que ela estivesse a fazer) deveria ter sido em vão. No entanto, continuava com o olhar sereno.
Eram quase onze horas e estava lua cheia. Só se conseguia ver a sua luz. A beleza da lua era escondida pelas nuvens cinzentas que a sobrepunham. Finalmente percebi o que não devia perceber porque não tem explicação. Apetecia-me andar de bicicleta e ia fazê-lo. Foi um desejo repentino e quis concretizá-lo. A noite era fantástica, mesmo chuvosa e sombria.


Peguei na minha velha bicicleta cheia de teias de aranha e ferrugem e saí à rua. As poças de água reflectiam as luzes da vila e o musgo entre os paralelos brilhava. Ia começar a andar quando a vi. Trazia sacos do lixo nas mãos e pousou-os no passeio. Ficou algum tempo parada a olhar para a lua. Silenciosamente fui ter com ela. Sem olhar para mim cumprimentou-me e eu retribui-lhe a saudação. Dirigi-me a ela, desta vez sem qualquer indecisão. Involuntariamente agarrei-lhe o braço esquerdo e fitei-a. Os seus olhos brilhavam mais que a lua. Não teve grande reacção mas olhou-me fixamente. Sentia que ela conseguia ler-me mas eu continuava com duvidas acerca do seu olhar. Não pronunciámos nenhuma palavra mas aquele momento de silêncio, para mim, disse mais que mil palavras.

(...)

3 comentários:

  1. Está muito giro! Adorei! Henrique, não te esqeças qando publicares o teu 1º livro, sou a primeira a qem das um autografo!

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  2. estou sem palavras...
    estas sempre a surprender me....
    queria ter a tua inspiração....

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  3. Ja te disse mais do que uma vez...
    Tens jeito para a coisa. Ponto final.

    xD

    Continua assim!

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