sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Escrita




















A folha assusta-me…E saber que a tenho de preencher assombra-me ainda mais. Ela goza comigo por eu não ter que escrever e não a conseguir vencer, mas eu não desisto. Começo a arranjar uma estratégia e crio palavras. As palavras nascem incolores e puras. As vezes vão escorrendo e saltando por rochas e vão levando impurezas que a turvam e assim vão formando a história. Depois nasce a personagem que, regada pelas palavras, se torna forte e em conjunto comigo tenta vencer a folha branca. A personagem raramente tem rosto e corpo definido, mas eu conheço-a melhor do que ninguém, até mesmo melhor que ela própria. E eu sugiro-lhe ideias que o vento, que não sei de onde vem, me sussurra ao ouvido e ela não diz nada ou concorda com tudo, o que é exactamente a mesma coisa porque eu não chego a um consenso. Até que, a personagem, desesperada e enervada com a constante folha branca se revela e assume o controlo. A sua máscara sem rosto e o seu manto sem corpo definido eram disfarces. Tudo agora se torna claro e é ela que me controla e não eu a ela. Não passo de uma marioneta que não se importa de ser controlada porque isso está a vencer a folha. E trabalhando com a personagem, junto-me com ela e as vezes nem parecemos existir os dois mas apenas um. Sinto-me na pele da personagem, vejo o que ela vê e às vezes chego mesmo a sentir o que ela sente e já não preciso de fingir. Não consigo criar e ter o poder absoluto na personagem, ela tem muito mais força e vontade que eu. E assim o imprevisível acontece. Depois acaba a história. E a personagem, com pena, despede-se de mim e eu sou obrigado a abandoná-la. Ela confortável instala-se na folha branca que foi derrotada por nós. Mais tarde, ao reler a história, voltarei a unir-me à personagem e vamos vencer novamente, como está escrito. Mas agora, outras folhas brancas me esperam e eu tenho de ganhar coragem para as combater.

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